domingo, 11 de outubro de 2020

ESTOU SÓ

 Nesta casa vazia de esperança

sopra uma brisa fresca

através das janelas viradas para o mar.

As minhas mãos abertas suplicam por ternura

os meus cabelos ondulando ao vento

clamam por uma fuga

montados num corcel branco.

As minhas mãos,

as minhas entranhas,

o meu eu,

está sedento de carinho

Estou só!

Ouço o barulho do vento

o ribombar do trovão

a chuva que cai impiedosa

fustigando os vidros das janelas

e já nada me assusta

Estou só!

Procuro algures num canto da casa

numa gaveta fechada

entre as folhas de um livro

um beijo escondido

mas não encontro

Estou só!

Todos os sonhos caíram

e o tempo é tão escasso

para os recuperar

a noite aproxima-se

muda e impiedosa.

Duas lágrimas soltam-se

e deslizam suavemente pelo meu rosto

sinto um aperto no peito

uma dor infinita 

Dói... e como dói

Estou só!


Fernanda Cabral


quarta-feira, 7 de outubro de 2020

AS MINHAS CRÓNICAS

 UMA TARDE DE DOMINGO


E porque hoje é domingo, dia em que por norma gosto de ficar na cama mais um bocadinho e quando chego à cozinha já o sol vai alto e diz- me:  " bom dia" com aquele seu ar bonacheirão e o rosto luzidio, sentei-me a tomar o pequeno almoço e resolvi escrever alguma coisa para ajudar a passar o tempo, e eis aqui um resumo de uma tarde que passei com a minha irmã que mora do outro lado da rua.

Em passos curtos e decididos atravesso a estrada e toco à campainha; subo os degraus que nos separam, e depois de comodamente instaladas nos sofás começamos a conversar, conversas banais, comentários e quase sem darmos por isso passamos para as recordações da nossa juventude. A conversa enveredou para o Colégio de São Luís que já foi demolido à uns anos e dos estudantes que por lá passaram; alguns ainda conheço, outros não. E isto porquê? Porque o meu pai conhecido pelo Sr. João da Loja tinha uma mercearia na rua 31 com a esquina da 26 e os estudantes do Colégio frequentavam-na para comer as sandes de torresmos e de atum e comprarem uns cigarros que à época se vendiam avulso.

E de recordação em recordação lembramo-nos dos nomes dos cigarros que hoje já não existem penso eu, como o " PORTUGUÊS SUAVE", os " PROVISÓRIOS", os " DEFINITIVOS, " os " KENTUCKS" ,os " NEGRITOS" e daqui às bebidas foi um saltinho, porque alguns gostavam de beber o seu copinho à rebelia do Padre Costa director do Colégio que lhes aparecia de surpresa com a varinha na mão.

Quem não se lembra dos " paralelos"? ( Vinho com águas das pedras e açúcar) ou dos "traçadinhos" ( vinho branco misturado com vinho tinto) e servido num copo pequeno. Inúmeras recordações que nos fizeram dar algumas gargalhadas. É verdade que a conversa é como as cerejas porque de repente já estávamos na Sibéria; ah pois, eu fui muitas vezes lá por estranho que pareça. A minha irmã quando os dias começavam a ficar mais frios, colocava o xaile da minha avó pelas costas e levava-me embrulhada nele, até ao fundo do quintal, dizendo que íamos à Sibéria e durante muitos anos eu acreditei que ela ficava ali tão perto; só mais tarde descobri que ficava num país longínquo.

Fernanda Duarte Cabral


AS MINHAS CRÓNICAS

 A MENINA E A PÓVOA DO VARZIM


Início de Verão vez década de sessenta, o dia nascera ensolarado e prometia um belo dia de calor e de sol.

Uma menina enviada no seu belo vestido branco às bolinhas azuis e laçarote na cabeça, parte com seus pais para um passeio à Póvoa do Varzim; terra de pescadores e poetas de beleza sem par.

Quando chega vai fazer uma visita guiada para conhecer um pouco da cidade.

Vê o Monumental Casino da Póvoa inaugurado em 1934, os Paços do Concelho com a sua arcada da frontaria desenhada em 1790-91 pelo engenheiro francês de seu nome Reinaldo Infinito, a Igreja Matriz datada do século XVIII com os seus altares em talha dourada, de uma beleza impressionante, além de outras coisas com igual interesse mas quando atravessa a larga avenida, um mar de esperança inunda os seus olhos; nunca tinha visto um assim: calmo, dócil, com as ondas maneirinhas a beijar a areia ternamente. Tira as sandálias que lhe cobrem os pés e corre pela areia alegremente, levando a mãe no seu encalço; passa por um grupo de pescadores que remendam as suas redes e quando chega mais perto a sua boca solta um " oh" de admiração; dezenas de estrelas salpicavam a areia, dormindo placidamente enquanto o mar às refrescava.

- Olha mãe tantas estrelas! Elas caíram do céu? Como vieram cá parar?

- E a mãe respondia: Não filha, não caíram, isso são estrelas do mar.

- Mas o mar também tem estrelas mãe?

As perguntas surgiam em catadupa e saltavam do coração para a boca e da boca para o coração.

- Posso apanhar estrelas mãe?

- Podes filha!

E a menina apanhou uma, e outra, e outra....

No regresso a casa, aconchegou-as no seu colo como se de um tesouro se tratasse.

E na verdade era um tesouro; eram pedacinhos de céu e de mar da Póvoa do Varzim.


Fernanda Duarte Cabral

( Menção honrosa num concurso literário da Póvoa do Varzim)

sábado, 3 de outubro de 2020

AS MINHAS CRÓNICAS

GATOS, GATOS, GATOS...


Sempre adorei gatos, por ser um animal ternurento, macio e o contacto com eles relaxa o corpo e a mente.

Em pequenina, lembro-me de ter tido vários gatos que eram baptizados com nomes dos jogadores de futebol, de palhaços, de doces, conforme a cor deles, ou até das mascotes dos Jogos Olímpicos, tudo isto ideias do meu primo e da minha irmã porque eu não tinha voto na matéria e tenho como exemplo o Javeru, o Negrito, a Violeta, o Quinto, o Micha, a Bombocas etc e todos eles com uma história para contar.

Hoje , vou contar a história do Negrito e do Quinto: Negrito era um gato já adulto, negro como o carvão, o seu pêlo luzidio brilhava ao sol e era o meu emprego. A sua vida de gato decorria normalmente, comia, dormia, brincava, até que um belo dia apareceu um gatinho lá em casa trazido pelo meu sobrinho, a quem pusemos o nome de Bolinhas por ser muito gordinho e tal como o mais velho era lindo só que era às riscas cinzentas e brancas como um pequeno tigre e tinha os olhos mais meigos do Mundo. Ao princípio o Negrito não aceitou de bom grado a intromissão nos seus domínios daquele pequenos que entrou pela casa dentro sem pedir licença, habituado que estava a ser o macho da casa; afinal não passava de um intruso que vinha repartir o espaço que era seu por direito; mas depois de algumas escaramuças acabaram por ser os melhores amigos do Mundo. Brincavam às escondidas como duas crianças, dormiam enroscados um no outro e partilhavam o mesmo prato de comida mas, a vida às vezes é madrasta e o Bolinhas adoeceu gravemente; a minha mãe levou-o ao veterinário, tratou-o mas não conseguiu salvá-lo

Num belo dia de Outono em que o sol brilhava mais do que habitualmente o Bolinhas partiu e deixou o seu amigo e a nós cheios de saudades. Durante dias e dias o Negrito deitou-se ao lado do local onde estava enterrado o amigo, ficou triste, deixou de comer e às vezes dava-me a impressão de ver lágrimas nos seus olhos tristes.

Dizem que o tempo é o melhor dos remédios, o tempo tudo cura e neste caso foi o que aconteceu, o Negrito superou a sua perda.

Está história passada entre dois gatos é verídica e prova que as verdadeiras amizades quando são alimentadas com amor ficam para sempre no nosso coração.


Fernanda Duarte Cabral

sexta-feira, 2 de outubro de 2020

AS MINHAS CRÓNICAS

  DIA DE SÃO SIMÃO


No dia de São Simão, santo da devoção do lugar da Quinta do Loureiro terra natal do meu pai, logo pela manhã bem cedinho saiamos de Espinho em direcção à aldeia; íamos no táxi do Sr. Estrada, taxista amigo do meu pai de longa data e em quem ele depositava toda a confiança. Era um homem anafado,com uma grande barriga mas muito simpático. O meu pai ia sentado à frente no lugar do pendura e sempre a conversar, eu a minha mãe e as minhas irmãs atrás. Lembro-me muito bem de ir ao colo da minha mãe porque não havia cintos de segurança nem as cadeiras eram obrigatórias, outras vezes ia à frente no meio das pernas do meu pai e como isso me fazia sentir importante. A viagem que agora se faz em pouco mais de meia hora naquele tempo demorava quase duas horas, porque o táxi não ia a mais de 50 km à hora pela estrada nacional. Outros tempos!

Este dia era diferente, porque era dia de festa e a minha mãe fazia questão que se estreasse sempre uma roupa nova, e como eu era a mais novinha o meu vestido era sempre com lacinhos e folhinhos e normalmente feito por ela e mais tarde feitos pela minha irmã mais velha a Vitória.

Passávamos um dia maravilhoso, víamos os familiares que estavam longe e todos os adultos se juntavam em amena cavaqueira no pátio da casa enquanto a minha avó punha a mesa onde se sentavam a comer, a conversar e a continuar a colocar a conversa em dia; para os mais pequenos a minha avó punha uma mesa mais pequena encostada a uma das paredes da cozinha para enchermos as barriguinhas. Depois de comermos gostava de vir para o pátio brincar com os gatos e ver as galinhas e pintainhos que andavam por ali livremente a debicar o milho ou a debicar os bocadinhos de pão que eu tinha para lhes dar. Ainda havia tempo para brincar às escondidas com os primos e quando se ouvia os foguetes era chegada a hora da procissão; todos se aperaltavam para ver os andores a passar, com os anjinhos vestidos de branco a acompanhar. Os habitantes da aldeia e os forasteiros ajoelhavam-se com toda a devoção à passagem do pálio que abrigava o sacerdote, atrás seguia a fanfarra tocando solenemente. Depois, era a hora do regresso a casa, toda a gente debandava em direcção às suas casas para comer mais alguma coisa acompanhado de uma bela pinga para reconfortar o estômago. Entretanto era a hora de nos despedimos dos avós, dos tios e dos primos.

Na cesta preparada pela avó vinha sempre umas chouriças para matar as saudades e fruta que o meu pai tanto gostava. Depois das despedidas e de um adeus até à próxima visita encetávamos a viagem de regresso até Espinho.

Chegávamos cansados mas felizes e com vontade de voltar!


Fernanda Duarte Cabral

quinta-feira, 1 de outubro de 2020

DIA DE VERÃO

 Num belo dia de Verão

um rio doce e tranquilo

que corria livremente

atravessando vales e planícies

encontrou o mar.

Este mar às vezes bravio

outras vezes manso como um cordeiro

despontou novos sentimentos no rio

e apaixonaram-se um pelo outro.

Mas as águas, tal como a vida

não param, não podem parar

e o rio seguiu o seu curso.

Às vezes encontram-se

e abraçam-se docemente

trocando juras de amor

o Astro Rei que desponta todos os dias

aquece as suas águas

e o caminho, os seus caminhos

continuam a cruzar-se devagar

ao sabor das intempéries.


Fernanda Cabral


AS MINHAS CRÓNICAS

  RECORDAÇÕES


Meu pai era natural da Quintã do Loureiro, uma pequena aldeia da freguesia de Cacia, distrito de Aveiro. Saiu cedo de casa aos 14 anos para ir trabalhar para Lisboa, mas isso é outra história!

Os meus avós paternos tinham uma casa de lavoura como já explicitei noutro texto e defronte da casa deles existia uma casa senhorial, habitada por pessoas endinheiradas e onde a comida confeccionada pela cozinheira era toda requintada. A minha avó Rosa pelo contrário, cozinhava na lareira, nas panelas de ferro de três pernas e a comida era substancial para alimentar quem vinha de trabalhar no campo. Os odores misturavam-se no ar e a minha avó com a sua saia rodada e o lenço na cabeça dizia lá do alto da sua sabedoria: " Já cheira aqui aos cricassés das senhoras"!

Isto, contou-me o meu saudoso pai


Fernanda Duarte Cabral

AS MINHAS CRÓNICAS

 RECORDAÇÕES


 Conheci os meus avós paternos Alfredo Duarte e Rosa Ventura já idosos ou pelo menos aparentavam ser aos meus olhos de criança; o meu avô era um homem alto e forte e usava um pequeno bigode e a minha avó era baixinha e roliça;  ainda trabalhavam no campo e a minha avó fazia a lida da casa. É engraçado como a nossa memória guarda coisas que à primeira vista parecem insignificantes. Mas não é disto que quero falar mas sim, sobre a festa de São Simão, santo da devoção da aldeia e que se realizava em meados do mês de Outubro. Mais tarde irei dedicar um texto completo à festa deste santo.  Era uma grande festa para a época com a matança do porco e quando os filhos e respectivos familiares regressavam à terra para desfrutarem  do convívio familiar. O dia era para recordar e eu ficava encantada a olhar a lareira com as chouriças a a defumar, e o cheirinho dos rojões confeccionados pela avó Rosa. Estes cheiros ainda estão entranhados nas minhas narinas.  

Como era boa a comida da avó!

Fernanda Duarte Cabral

AS MINHAS CRÓNICAS

 A CASA DOS MEUS AVÓS PATERNOS


Aquele enorme portão de madeira pintado de castanho, com um enorme batente exercía um enorme fascínio sobre mim. Por cima dele existia um brasão, vestigios de uma antiga casa senhorial.

Quando o portão se abria, um mundo completamente diferente daquele a que estava habituada, aparecia diante dos meus olhos de criança. Logo à entrada deparava-me com um carro de bois que esperava em silêncio pela sua próxima viagem; nas paredes laterais as cangas dependuradas, e pousadas no chão a charrua e o arado.

Após meia dúzia de passos, aparecia  à minha frente um enorme poço e sobre ele pendia uma grande laranjeira que produzia laranjas doces e sumarentas e à frente existia uma pia de pedra  talvez para os animais beberem. Ao lado direito havia uns currais e no terreiro defronte da casa, as galinhas passeavam debicando os grãos de milho, enquanto os gatos dormiam placidamente aproveitando a sombra dos telheiros que os abrigava do sol do meio dia. À esquerda ficava a casa da família, entrava-se diretamente para a cozinha e do lado direito por dois degraus de pedra, polidos pelo tempo descia-se para a adega onde repousavam os barris de vinho  e a salgadeira onde se guardava a carne dos porcos para a alimentação da família. Regressando à cozinha do lado direito, uma enorme lareira onde descansavam duas panelas de ferro de três pernas, por cima numa trave de madeira defumavam as chouriças e as morcelas espalhando um agradável cheirinho no ar. O louceiro na parede do lado esquerdo onde se guardavam os pratos e as travessas e a enorme mesa de madeira tosca onde se sentavam os comensais para degustar a bela sopa de hortaliça que fumegava dentro da terrina depositada na mesa, quando o relógio da igreja tocava as doze badaladas faziam parte do mobiliário. Havia ainda uma pequena sala por onde se tinha acesso a partir da cozinha e que ficava virada para a rua. Aí havia uma porta por onde se saía para a rua com três degraus em pedra e uma janela. Entre a porta e a janela encostada à parede existia uma cómoda onde repousavam tranquilamente um Cristo dentro de uma redoma, tenho ainda uma vaga ideia de existir um relógio de pêndulo. Ao lado havia mais dois quartos, um dos quais era do casal (meus avós) apenas com uma cama e uma mesa de cabeceira, pois naquele tempo os quartos eram pequenos, o outro também era pequeno apenas com uma cama onde dormia um tio. Dava-se primazia à cozinha centro das reuniões familiares e dos serões à lareira; as paredes eram desprovidas de ornamentos.

Voltando para trás, saindo pela cozinha enveredava-se por um caminho de terra batida separado por um pequeno portão onde existiam os currais do gado e mais à frente um grande terreno de cultivo onde se plantavam as batatas e os legumes da época e ainda milho para a alimentação dos animais, do lado direito havia a eira onde se malhava o milho

Muito mais coisas haveria certamente para contar, mas nesta época eu era muito novinha e não me lembro de mais nada no entanto, esta casa deixou-me saudades dos meus tempos de criança e um sabor amargo e doce ainda permanece em mim.

Saudades...

Saudades da casa dos meus avós

Fernanda Duarte Cabral