quarta-feira, 30 de setembro de 2020

AS MINHAS CRÓNICAS

 "A MINHA CASA"


A minha casa ficava situada na Rua 31 com a 26 tinha r/ chão e 1° andar ; o r/ do chão era onde eu vivia e tinha um estabelecimento de mercearia e vinhos pertencente aos meus pais, tinha 3 portas uma para a entrada da taberna, outra a meio para a mercearia e a que ficava na esquina era para serventia da casa de habitação; quando entrava-mos havia do lado direito um banco de madeira encostado a uma parede lateral e do lado esquerdo duas mesas com bancos, onde os clientes homens se sentavam para beber o seu copinho ou receitinha enquanto jogavam às cartas ou ao dominó. Tinha um enorme balcão de madeira pintado de cor de laranja com uma pedra de granito preta e em cima do lado direito havia um mosqueiro ou mosquiteiro onde o meu pai guardava os torresmos , o queijo, e a enorme lata de atum para fazer sandes para quem pedia e também aos estudantes do Colégio de São Luís. Este mosqueiro tinha ainda uma prateleira  com tabletes de chocolate e pacotinhos de cigarros de chocolate. O estabelecimento ou loja como lhe chamávamos tinha uma divisória também em madeira e pintada da mesma cor do balcão que separava a taberna da mercearia. Na mercearia onde só entravam as mulheres tinha os lotes como lhe chamávamos que eram caixas enormes com uma tampa onde se depositava o arroz e o açúcar, por cima eram as prateleiras onde havia as caixas das bolachas e afins. Hoje não vou entrar em mais pormenores, um dia escreverei sobre a loja dos meus pais. Pois bem, passando o balcão para o lado de dentro começa então a verdadeira casa que era composta por duas salas, três quartos, cozinha, casa de banho e um grande armazém onde se armazenavam os víveres. A sala da entrada a que chamávamos " a sala nova" não me perguntem porquê tinha uma cristaleira com a ceia de Cristo por cima, uma mesa com cadeiras, uma mesa oval que estava num canto  e uma janela que dava para o quintal, defronte tinha a outra sala que era polivalente pois servia de armazém e de escritório do meu pai e tinha uma janela virada para a rua 26. A partir daqui tinha a porta que abria para um longo corredor com os quartos de ambos os lados, um era o quarto dos meus pais, o outro das minhas irmãs e um mais pequeno era do meu irmão e também lá estava a máquina de costura da minha mãe. Os quartos naquele tempo eram pequenos e só cabia o indispensável que era a cama, as mesinhas de cabeceira e o guarda vestidos só o dos meus pais é que tinha mais uma peça o "pechiché"vulgo cómoda. E eis que chegamos à casa de banho também muito simples, sem banheira porque os banhos eram tomados numa grande bacia de zinco cuja água era aquecida no fogão de lenha, logo a seguir a cozinha onde a minha mãe diligente cozinheira preparava os almoços e jantares; não tinha nada de especial a não ser um grande fogão a lenha que brilhava limpo pelas mãos da minha mãe e a janela que dava para o quintal com as suas empanadas pintadas de verde escuro. Ao lado havia então o grande armazém onde se guardava de tudo um pouco desde sacos de milho e farinha até aos bidões de petróleo e depois a porta enorme que nos lançava para a liberdade.

Ao longo dos anos a casa foi sendo modernizada conforme se podia, com novas pinturas, novas mobílias, novas cortinas, novos candeeiros mas manteve sempre a sua traça original.

Esta casa onde fui criada com carinho e desvelo pelos meus pais e irmãs acabou por ser demolida anos mais tarde para dar lugar a lojas e apartamentos, mas nunca me esqueci dela porque apesar de velhinha foi onde passei a minha infância e adolescência e  ainda foi minha mesmo depois de casar e os meus filhos ainda passaram alguns anos da sua infância. Ainda hoje quando passo pela rua consigo visionar o lugar exato de cada porta e de cada janela e por vezes parece que ainda ouço a minha mãe a chamar por mim: Maria Fernanda, anda para casa são horas de comer!


Fernanda Cabral

domingo, 27 de setembro de 2020

AS MINHAS CRÓNICAS


" A MINHA RUA E AS CASAS"


A rua onde eu vivi na minha meninice deixou-me várias recordações, aliás já lhe dediquei um poema mas, de vez em quando invade-me alguma nostalgia e apetece-me escrever sobre ela.

Quando eu era pequenina podíamos percorrer as ruas de cima a baixo sem problema algum porque não havia trânsito e tudo era calmo e sossegado embora eu estivesse confinada desde a rua 24 até à rua 32 excepto quando tinha de ir comprar o pão à padaria ou entregar géneros alimentícios aos clientes da mercearia dos meus pais.

Tenho saudades principalmente dos vizinhos, a maior parte já partiu porque eram pessoas com uma certa idade mas vou tentar recorda-los nestas linhas que escrevo. Eu vivia na esquina na rua 31 com a 26 e atravessando a estrada para baixo existia uma velha casa onde morava a Dona Filomena ou Dona Mena como era conhecida e o marido o Sr. Osório; este casal era muito peculiar porque a senhora era muita baixinha e roliça e o marido um homem muito alto e magro, tinham um filho o João Manuel que hoje deve andar à volta dos setenta e tal anos; ainda fazia parte do agregado familiar a mãe da senhora a Dona Judite. Tenho gratas recordações desta família,  pois quase todos os dias quando chegava da escola ia lá a casa lanchar chá ou café com leite porque eu não gostava de chá com leite como normalmente tomavam, à boa maneira dos ingleses e ainda bolachas Maria compradas na loja do meu pai. Contornando a esquina e descendo a rua encontrávamos outro edifício onde funcionavam creio eu os laboratórios do Colégio da Nossa Senhora da Conceição.

Logo a seguir existia e ainda existe a casa onde viviam os donos do dito Colégio e mais abaixo funcionava noutro edifício todas as outras valências onde estudaram as " meninas bem" de Espinho e que passado uns anos foi demolido aquando da construção de um novo edifício para o colégio e que deu lugar a um prédio com vários apartamentos.

Passando para o outro lado da rua e subindo o passeio havia um grande terreno onde anos mais tarde se construíram estabelecimentos, apartamentos e vivendas. Duas dessas vivendas eram geminadas onde viviam a Dona Cândida e o Sr. José das malhas, assim conhecido porque nas traseiras da casa funcionou durante muitos anos uma fábrica de malhas que lhe pertencia e que empregou muita gente; ao lado vivia a Dona Dorinda e o Sr. Aurélio, donos de uma ourivesaria famosa cá de Espinho, a seguir vivia a Dona Amável e o Sr. Fernando que vieram de Lisboa, este casal não tinha filhos mas a senhora tinha um pavão que a seguia para todo o lado. Continuando a subir a rua, logo na esquina encontrávamos a casa cor de rosa como era conhecida por estar pintada desta cor e que ao longo dos anos teve vários habitantes com muitas histórias para contar. Encostadas a esta casa existiam três pequenas casas, a primeira onde vivia a minha avó materna Ana Emília, logo a seguir a Sr. Rosa Ganicha que sofria de surdez, vivia com a filha a Fernandinha grande amiga das minhas irmãs e na última casa vivia a Sr. Fernanda do Ourives assim conhecida porque a família tinha uma ourivesaria gerida pelos irmãos já que a matriarca da família era muito idosa; era casada com o Sr. Abreu, ferroviário e tinham quatro filhos, um rapaz e três raparigas minhas amigas de infância. Eu falo na ou nas esquinas sim, porque para quem não sabe Espinho é dividido em quadrados a que chamamos quarteirões e portanto em cada princípio ou fim de um quarteirão há uma esquina. Havia ainda outro grande terreno que estava alugado à CME e onde funcionava o viveiro das plantas e como tenho de continuar a subir a rua e já estou um bocadinho cansada, vou parar por aqui mas prometo continuar pois como se costuma dizer, ainda a procissão vai no adro. 

Depois de um merecido descanso eis que continuo a subir a rua 31, atravesso a rua 28 que é uma rua transversal sempre pelo  lado direito e logo na esquina existia e existe uma casa de r/ chão e 1° andar que continua a ser conservada pelos herdeiros dos proprietários que eram um casal sem filhos; sempre conheci a senhora sentada numa cadeira de rodas a repousar no terraço debaixo de um guarda-sol nos dias em que o sol brilhava e aquecia os dias. Logo a seguir havia a fábrica do Sr. Matos que vivia com a esposa a Dona Emília que eu admirava por andar sempre muito bem arranjada e bem maquilhada depois, a casa onde vivia o Cláudio um rapaz deficiente mas autónomo e que apesar de não falar ia à loja dos meus pais fazer os recados num papel escrito pela mãe a Senhora Maria do Céu; quase a chegar à esquina da rua 30 havia um enorme terreno com um portão de ferro e onde habitavam numa casa a Senhora Esmeraldina com o marido e os 3 filhos e noutra a Dona Lucinda com o marido que era taxista e tinham uma filha salvo erro. Sobre estes casais mais havia a dizer sobre a sua maneira de ser, de vestir e de conviver mas não vou entrar em tantos pormenores porque estou a falar da rua  e é por aí que vou. Como já dizendo, atravesso a rua 30 e na esquina seguinte havia uma loja pertencente  aos pais dos Capelas e até à 32 havia a fábrica do Sr. Leon Petit que fabricava pentes, ganchos, bandoletes e travessas; este senhor à época já idoso andava sempre impecávelmente vestido e usava plainitos a que eu achava imensa graça; trazia sempre nos bolsos um gancho ou travessão que oferecia às crianças que com ele se cruzavam e era engraçado ver um bando de crianças atrás dele a pedir as bugigangas. O edifício desta fábrica foi mais ao menos mantido embora, tenha sofrido alterações ao longo do tempo e hoje funciona como supermercado e restaurante.

Eis-me a atravessar a rua 32 para descer a 31 em sentido inverso e logo na esquina aparece um terreno com a casa onde vivia o Sr. João Jardineiro  funcionário da Câmara , noutra casa o Sr. Mourão com a esposa e os filhos, a seguir havia a loja do Sr. Modesto que vivia no 1° andar com a esposa e 3 filhos e a seguir a casa do Sr. Peixoto com um grande quintal que chegava até à esquina.

Atravesso a rua e aparece mais um terreno onde funcionava o estaleiro de blocos do Sr. Mourão e logo a seguir a casa do Padre Justino, conhecida assim por viver lá um padre com esse nome tendo por companhia uma empregada, a seguir havia uma viela e ao fundo encontravam-se 2 casas; numa morava o Sr. Joel e a Dona Agostinha e na outra o Sr. Joaquim e a Sr. Aninhas com os filhos 2 raparigas e 1 rapaz e logo a seguir ladeado por altos muros começava o recreio do extinto Colégio de São Luís que se prolongava até ao quarteirão seguinte em direção ao Norte. Desço e encontro uma enorme casa tipo senhorial com r/ chão e 1° andar com grandes varandas ao longo da casa; no 1° andar viviam mãe e filha a Dona Francelina e a Francelininha a filha sempre impecávelmente vestidas, saíam todos os dias para ir tomar um chá frio ao Nosso Café, onde se juntavam as senhoras finas cá do burgo. A casa tinha lindos canteiros de flores muito bem tratados por um jardineiro. No r/ chão vivia a Dona Sílvia e o Sr. Roberto com duas filhas,um casal muito peculiar sendo ela uma senhora alta pelo menos aos meus olhos de criança e o marido era baixo e magro; ainda guardo na lembrança o guarda-chuva de chocolate da Vianense que me oferecia  todas as semanas, quando vinha para casa do seu passeio da tarde.

Já estou quase a chegar a casa depois deste sobe e desce mas ainda encontro outra casa de r/ chão e 1° andar neste momento a ficar em ruínas onde vivia o Sr. Lopes e a Dona Josefina, um casal espanhol, que viveu largos anos cá e eu como noutras casas era visita assídua ia para  lá ver televisão, um luxo naquela época mas o que mais me encantava era um pequeno candeeiro pousado em cima de uma mesinha de pé que parecia um caleidoscópio pois girava e refletia luzes de imensas cores além de se ouvir o som da água a cair, era lindo e nunca mais vi nada igual. Nós baixos vivia o Sr. Lírio e a Dona Cristina que tinham dois filhos a Ana Maria e o Alberto Manuel e a avó paterna a Dona Aninhas que vivia com a família. Era uma velhinha adorável e como eu gostava de estar na cama com ela a ler-lhe histórias. Noutro texto que escrevi falo mais em pormenor desta família com quem convívio bastante. Esta casa tinha ainda um portão lateral que dava acesso a uma outra casa que ficava ao fundo do terreno onde vivia o Sr. Pardilhó e a Dona Rosa com a filha a Lucindinha. E eis-me chegada a casa também de r/ chão e 1° andar como quase todas as casas daquele tempo. O primeiro andar era habitado pelo Sr. Martins e a Dona Maria juntamente com dois sobrinhos que criavam  e ainda três empregadas. Este casal veio de África e já falei deles noutro texto e em relação à minha casa hei-de escrever sobre ela.

Muito mais há para dizer porque à medida que vou escrevendo, vão surgindo mais lembranças e tenho de escrever para que no futuro as possam ler e conhecerem ou quiçá recordar como era a minha rua.

Fernanda Cabral

segunda-feira, 7 de setembro de 2020

AS MINHAS CRÓNICAS

 

" QUERIDO AMIGO"

Hoje apetece-me escrever meu querido amigo e poderias perguntar porquê? E eu responder-te-ia: porque sim! As minhas memórias recuam dez, vinte, trinta, quarenta anos, tanto tempo! E eu vejo-me a brincar contigo ao baloiço e ao pião como na canção do José Cid.

Naquele tempo, os teus olhos azuis da cor do mar, traziam neles todos os sonhos do Mundo; eu e tu, tu e eu, crescemos e as nossas vidas tomaram novos rumos. Fizeste- te um homem afável, íntegro, amigo do teu amigo, mas a vida às vezes é madrasta e troca-nos as voltas e um dia sem que nada o fizesse prever, a luz que tinhas nos teus belos olhos azuis perdeu o brilho e ficaste menino outra vez. Conversas comigo, dizes coisas sem nexo, eu não sou eu, sou uma pessoa que viste por aí!

Sabes uma coisa? Penso muitas vezes em ti e gostava que este ano te trouxesse de novo de volta, sei que é difícil mas a esperança é a última a morrer e eu, tenho esperança e tu?

Fernanda Duarte Cabral


Entretanto a esperança foi embora tal como tu.

AS MINHAS CRÓNICAS

 

" SE EU FOSSE UMA GATA"

Se eu fosse uma gata, seria bem coquete à maneira das madames francesa; pelo comprido e sedoso e um laço cor de rosa de preferência no alto da cabeça claro para não ser igual aquelas ponderadas que andam de lacinho ao pescoço.

Havia de dormir todo o dia na minha cama fofa de dossel forrado a veludo , ou então ir para a piscina com os meus óculos de sol a repousar debaixo de uma sombrinha e, quando a barriga desse horas, abria os olhos discretamente, espreguiçava-me e esperava que me trouxessem o meu prato de leite desnatado e o meu patê; depois vagarosamente limpava os bigodes e alisava o pelo, porque gata que se preze não anda despenteada, que horror!

E depois? depois voltava para o meu descanso e sonhava com algum destino paradisíaco tipo Seicheles ou Bora Bora

Que pena não ser uma gata!


Fernanda Duarte Cabral

AS MINHAS CRÓNICAS

 

" AS BATATAS FRITAS DA DONA ANTÓNIA"


Com certeza que quando começarem a ler este texto vão achar este título estranho mas, faz parte das minhas memórias como irão ver já a seguir.

Tudo começou nas visitas que ia fazer na companhia dos meus pais aos meus tios que viviam em Cacia pois, estes, a Manuela e o José que alémos dois filhos o João Manuel e o Paulo Jorge, também tinham a fazer parte do agregado familiar a mãe da minha tia a Dona Antónia. Era uma senhora muito simpática sempre vestida de preto pois segundo sei enviuvou muito cedo, e nunca mais tirou o luto; a mentalidade antiga era assim, se uma mulher enviuvasse e tirasse o luto era uma falta de respeito à memória do marido.

Mas continuando com a história, sempre que lá íamos a senhora fazia umas batatas fritas divinas, não sei se era a qualidade das batatas, se era a maneira de confeccionar porque nunca comi batatas fritas tão boas e de vez em quando parece que ainda sinto o seu sabor. Adorava vê-la a corta-las em palitos fininhos, depois metia-as em água e sal e enxugava-as num pano tudo feito com muita calma, se calhar era esse o segredo impensável nos dias de hoje em que vivemos num permanente corre corre.

Passaram- se uns anos e numa outra visita em que colocamos a conversa em dia e falei com o meu primo João dou por mim a pedir-lhe umas batatas do quintal:

" João arranjas-me meia dúzia de batatas para eu fritar para ver se ficam iguais às da tua avó?


Fernanda Duarte Cabral