domingo, 15 de janeiro de 2017

LEMBRANÇAS

LEMBRANÇAS
Quando eu era uma menina, o domingo de Páscoa era um dia diferente
A casa levantava-se cedo e andavam todos em alvoroço a ultimar os preparativos
para a festa à muito desejada. 
Os sinos tocavam alegremente e sentia-se no ar um perfume,
que dava calor ao coração da gente.
As portas abriam-se de par em par para o compasso poder entrar.
Primeiro, entrava o padre nas suas vestes pascais
acompanhado do menino que trazia a caldeira da água benta
e que olhava de soslaio desconfiado
de seguida entrava o sacristão todo aperaltado no seu fato domingueiro
e a opa vermelha, segurando com fervor o cristo na sua cruz de prata.
Na mesa posta a preceito, coberta com a toalha bordada, que saía da gaveta
em dias especiais e que a minha mãe tinha engomado com carinho
sobressaia uma jarra enfeitada com palmitos brancos. Junto dela, repousava
tranquilamente a garrafa do Malvasia, o pão de ló, e as amêndoas; a laranja
com a ranhura ao meio também fazia parte com a moeda de cinco escudos.
Depois de terem dado a cruz a beijar e aquecerem a alma e o paladar
seguiam em procissão rua acima, acompanhados pela criançada que espalhava
flores e verdes pelo chão e a quem os pais tinham recomendado para não fazerem
barulho, porque tinham de respeitar o Nosso Senhor.
Para o almoço havia um belo coelho assado no forno preparado pela minha mãe
que era de comer e chorar por mais! E para sobremesa, além dos doces, havia
as bananas da Madeira que eu ia comprar ao estabelecimento da Senhora Idalina
do Ledo que ficava situado no ângulo da rua 23 com a 14, sempre que era Páscoa….
Belos tempos, os tempos em que eu era menina!....
Fernanda Cabral

ALQUIMIA

Da alquimia de um sonho
nasceste tu!
cabelo cor de azeitona
duas estrelas no olhar
um sorriso de sol e luar
Enfeitiçaste-me!
mas em poucas horas
nos separamos.
Aprendi a domar a raiva
que crescia em mim
reneguei todas as portas fechadas
contei todas as horas e minutos
dos dias e noites
em que a vida nos separou
Finalmente tive-te nos braços
meu menino
e a chama do amor
nunca mais se apagou

Fernanda Cabral

13/01/2017


LÁ EM CIMA (infantil)

Lá em cima está um gato
A fazer miau, miau
Sape gato, vai-te embora
Não comas o carapau!

Lá em cima está um gato
A espreitar pela janela
Cá em baixo no salão
Está a Dona Felisbela

Lá em cima está um gato
Que só pensa em namorar
Não encontra companheira
Que o queira aturar

Lá em cima está um gato
Não está nada contente
Porque a Dona Felisbela
Não lhe comprou um presente

Sape gato, sape gato
Sape gato lambareiro
Não comas o carapau
Limpa os bigodes primeiro

Fernanda Cabral

14/01/2017


MAGIA

No fundo branco daquela parede
uma moldura, um fundo azul
uma árvore com ramos desnudos
numa tentativa vã
de agarrar o céu
Está frio!
deve ser um dia de Inverno
a árvore está despida
da sua roupagem verde
e pequenos flocos de neve
salpicados por entre os ramos
dão-lhe sombras e matizes.
dois namorados sentados
com a ternura estampada no olhar
trocam juras de amor
Divago....
parece-me ouvir o canto de um rouxinol
Será verdade? será ilusão?
O coração bate descompassado
e lentamente deixo-me envolver
na magia daquele azul
O azul da cor do céu!

FUI

Fui ao teu encontro meu amor
e parti à descoberta.
Subi às mais altas montanhas
planaltos verdejantes.
Descobri lagos azuis nos teus olhos
o pulsar do teu coração
Abraçaste-me ternamente
agarraste as minhas mãos
e num deslumbramento total
sob a luz do meu olhar
abriu-se um campo de papoulas
rubras e ondulantes.
Uma leve brisa soprou livremente
sobre o meu rosto
a minha alma sorriu
e a minha voz gritou
Sou feliz!
Sou feliz!
E o eco num retorno manso, muito manso
devolveu a minha voz
Sou feliz!
Sou feliz!

Fernanda Cabral

19/08/2014

AZUL TURQUEZA

                                                          

Esta noite gostava de ser capaz 
de abrir as minhas asas
e voar na escuridão do firmamento
Colher as estrelas mais brilhantes
e enfeitar os meus cabelos
para te deslumbrar
Depois corria para casa
fazia um papagaio de papel azul- turquesa
e atirava-o para a tua janela
para te avisar da minha chegada
Entretanto ficava quietinha à tua espera
à espera que viesses 
para partilharmos um segredo
Sabes? 
Um dia vou sentar-me numa nuvem cor- de- rosa
roubar um bocadinho da lua, 
do sol, das estrelas
e escondê-las num lugar seguro
onde ninguém as possa encontrar
Entretanto, vou sonhando em beber o luar
que desponta na profundidade dos teus olhos
quando olhas para mim.

Fernanda Cabral /2016


sábado, 14 de janeiro de 2017

VAMOS DANÇAR (infantil)

Um dia o camelo, o coelho, o cão, o canário e o carapau
repararam que os seus nomes
começavam todos por C
e disseram todos ao mesmo tempo:
"Que engraçado"!
Vamos fazer uma roda e dançar?
Todos concordaram
mas o camelo era muito alto
não podia rodar
o coelho só sabia saltar
o cão só sabia ladrar
o canário só sabia cantar
e o carapau?
o carapau só sabia nadar
e se saísse da água, coitadinho
faltava-lhe o ar!
Todos se juntaram
fizeram uma reunião
e chegaram à conclusão
que a melhor solução
era ficarem todos a brincar
sem sair do lugar.

Fernanda Cabral
12/01/2017

A BRUXA MIMI (infantil)

A bruxa Mimi
vivia num castelo
e era todo ele
preto e amarelo
Fazia as poções
num grande caldeirão
mas não dizia a ninguém
que sofria do coração
Guardava no bolso
um grande segredo
tinha um enorme dragão
que metia medo
Andava, corria
voava pelo ar
se estava sol
punha-se a gritar
Gritava esconjuros
cobras e lagartos
enfarruscava os dentes
e palitava os pratos
Tapava os cabelos
com um grande chapéu
mas um dia de madrugada....
desapareceu!
Onde estará escondida?
Não sabes tu, nem sei eu!

Fernanda Cabral

A MINHA RUA

A minha rua acordava todos os dias
Com perfume a hortelã e fruta madura
Corria célere em direção ao mar
e as suas cores eram o amarelo e o azul
O amarelo da luz do sol e o azul do mar
davam-lhe sombras e matizes
mais parecia uma toalha bordada a ponto sombra.
Logo de manhã era um sob e desce
das leiteiras, das padeiras e peixeiras
que alegremente apregoavam o peixe
que levavam nas canastras
saído nas redes do mar de Espinho
As portas e janelas abriam-se alegremente à sua passagem
É do nosso mar! venha ver freguesa!
Nas tardes solarengas os miúdos traquinas
brincavam alegremente nos passeios de terra batida
ladeados por frondosas árvores
fazendo deslizar os seus carrinhos de rolamentos
a tal velocidade que mais pareciam corredores
de fórmula 1
e... quando o sol começava a esconder-se
as meninas vinham para a rua brincar ao fosforinho
sob o olhar atento das mães que aproveitavam
para colocar a conversa em dia.
Hoje...
A minha rua continua no mesmo sítio
mas perdeu a beleza de outrora
as suas casas senhoriais foram substituidas
por prédios de betão
e as ruas foram atapetadas de cimento
Já não se ouvem os risos das crianças
os cochichos das vizinhas
o chilrear dos passarinhos.
Apenas um gato foge espavorido
procurando um sítio para se esconder.
Hoje...
A minha rua, a rua que eu gostava tanto
e que me adoçava a boca de mel
quando eu abria a janela, desapareceu!
Fica a saudade da rua, que acordava todos os dias
com cheiro a hortelã e fruta madura
A minha rua!

Fernanda Cabral


domingo, 1 de janeiro de 2017

                                                    "OS POEMAS"    (de Mário Quintana)


Os poemas são pássaros que chegam
não se sabe de onde
e pousam no livro que lês.
Quando fechas o livro,
eles alçam voo como de um alçapão.
eles não tem pouso, nem porto
alimentam-se um instante
em cada par de mãos e partem.
E olhas então, essas tuas mãos vazias
no maravilhado espanto de saberes
que o alimento deles já estava em ti.

LEMBRO-ME

                                                       
Lembro-me
De quando as noites eram mais noites
e pequenos pontos de luz
iluminavam o céu
como pirilampos numa noite de Verão.
Lembro-me
de me levares a passear
até ao fundo do quintal
e dizeres que íamos à Sibéria
só porque estava frio.
Lembro-me
de me embrulhares no xaile da avó
e olhares para mim
com o teu olhar doce
enquanto eu saboreava o teu colinho
Lembro-me
quando afagavas os meus cabelos
dos beijos que me davas
tão cheios de ternura
e me limpavas as lágrimas
quando eu chorava
Lembro-me
de darmos as mãos
e corrermos pelos campos
atrás das borboletas
e quando voei, seguraste-me
para não cair.
Ternas recordações
de quem me quer bem
e a quem eu quero bem
E por dentro de todos os silêncios
eu gosto tanto de ti
minha querida irmã!

Fernanda Cabral

22/12/2016